JOVEMGUARDA.COM.BR - O Portal da Música Jovem!
Artigos

O iê iê iê que o português conheceu
Em artigo feito especialmente, o jornalista português Luís Pinheiro de Almeida confirma o sucesso de Celly Campello e Roberto Carlos em Portugal e mostra que, embora diversos artistas nacionais dos anos 60 tenham lançado discos em Portugal e colônias, apenas estes realmente fizeram sucesso. A partir dos anos 70, a coisa seria diferente com o sucesso de cantores de MPB.


Luís Pinheiro de Almeida


Nos anos 60, Portugal vivia uma feroz ditadura de direita. O país encontrava-se fechado sobre si mesmo no que Salazar apelidava de "orgulhosamente sós". Não havia eleições, nem liberdades. A censura amordaçava a expressão das ideias, a juventude não tinha outro futuro que não fosse a guerra colonial em três frentes de combate: Angola, Moçambique e Guiné.

Neste contexto, com as fronteiras fechadas ao exterior, com um desenvolvimento económico paupérrimo, as boas novas que se fabricavam lá fora não produziam efeitos no interior do País. Por razões históricas e de proximidade, cabia então à França o papel de "colonizador cultural" de Portugal. No cinema, com nomes como Godard, Truffaut, Vadim, Lelouch e outros. Na literatura, com Camus, Sartre. Na música popular Johnny Hallyday, Sylvie Vartan, Françoise Hardy.

Mesmo quando na Grã-Bretanha, os Beatles encabeçam a Revolução Cultural e Social, Portugal - por maioria de razão - resiste à investida, mantendo-se maioritariamente fiel às ondas gaulesas. Apesar da língua comum e das origens históricas uníssonas, também o Brasil e a sua Jovem Guarda mantiveram a distância de Lisboa, só comparável à imensidão do oceano que separa os dois países. Como seria de esperar, Roberto Carlos foi a grande excepção, só comparável à de Celly Campello, únicos nomes brasileiros verdadeiramente ilustres no cinzentismo da música popular portuguesa dos anos 60.

Zeca do Rock, um dos proeminentes músicos portugueses da altura, autor do primeiro "yé-yé" cantado em Portugal, e, actualmente, a viver no Brasil, conta como foi a Jovem Guarda no país: "Em Portugal, primeiro foi a Celly Campello e seu irmão Tony. A Celly era a Brenda Lee brasileira. Mas nenhum dos dois foi alguma vez aceito por aqueles que depois de vieram a considerar a Jovem Guarda. Deles todos (e são muitos) só o Roberto Carlos conquistou o Atlântico. Muito pouca coisa da Wanderléa apareceu entre nós, porque acho que nada foi publicado oficialmente. Dos restantes, nem sombra... E é fácil compreender o porquê. Nós tínhamos todas as versões originais anglo-americanas, mais as versões francesas, mais as versões italianas. Quem se iria interessar por versões brasileiras que, geralmente, tinhas letras de pôr os cabelos em pé a um careca? O Roberto cantou desde o início muito material original dele com o Erasmo, por isso o público português perdoou-lhe barbaridades como o "Splish-Splash", entre outras. A Jovem Guarda brasileira não teve qualquer influência em Portugal em época nenhuma", conclui, com algum azedume, Zeca do Rock.


Visão diferente tem Daniel Bacelar, considerado o "Ricky Nelson português", autor de êxitos como "Olhando Para O Céu", "Fui Louco Por Ti" e "Miudita". Em declarações exclusivas, Bacelar admite uma maior influência da Jovem Guarda: "Na realidade, Celly Campello ("Lenda da Conchinha") e o irmão, Tony, fizeram imenso sucesso, especialmente ela, mas houve muitos outros como Sérgio Murillo ("Marcianita"), Osmar Navarro ("Quem É?"), Roberto Carlos, claro, e o fantástico Erasmo Carlos que, para mim, continua a ser superior ao Robertinho, Demétrius ("Ritmo da Chuva"), Ronnie Cord ("Biquini Amarelo"), Carlos Gonzaga ("Diana").

"Os brasileiros - diz ainda Daniel Bacelar - sempre foram muito bons a copiar e as versões em português (do Brasil, claro está) de grandes sucessos norte-americanos ficavam sempre muito semelhantes ao original, o que nos fazia na altura uma certa inveja, pois os conjuntos que havia, apesar de terem muito bons músicos, estavam mais inclinados para a música de baile e italiana, faltando-lhes aquele "feeling" que os "malandros" dos brasileiros copiavam tão bem. Na realidade, houve uma grande influência da Jovem Guarda na jovem música portuguesa, bem como da música brasileira em geral", finalizou.

João Carlos, que sob o pseudónimo de Rato mantém na Internet um dos mais completos e interessantes blogues sobre a música dos anos 60 - ratorecordsblog.blogspot.com (repleto de raridades) - possui uma visão peculiar sobre a influência da Jovem Guarda na música portuguesa, já que, à altura, vivia em Moçambique. "Só posso referir o que vivi na altura em Moçambique, onde penso que havia mais abertura do que em Portugal (ou Metrópole, como então se dizia) no que diz respeito ás coisas da Cultura (e não só).

"Nós tínhamos uma grande influência da vizinha África do Sul, onde nos deslocávamos muitas vezes para nos abastecermos com as últimas novidades musicais. Até 67/68 a música que consumíamos era "servida" quase sempre em formato reduzido (singles e EPs), com uma predominância muito grande de intérpretes anglo-americanos (e também muitos grupos sul-africanos). Não devo andar muito longe da verdade se disser que apenas 25 % englobava outras nacionalidades, nomeadamente a francesa, a italiana e, claro, a brasileira. No princípio dos anos 60 era essencialmente a Celly Campello e, mais tarde, sobretudo entre 1964 e 1966, mais alguns (poucos) nomes, onde se destacava Roberto Carlos (com a parte de leão), e também Erasmo e Ronnie Von. Depois, com o terminar da década e a morte do single, cada vez mais preterido em relação ao álbum (muito por culpa de "Sgt. Pepper's", editado em Junho de 1967), a grande influência brasileira deixou de ser a Jovem Guarda (que estava agonizante) para passar a ser a onda tropicalista (com Gal e Caetano á cabeça). Uma referência ainda a Chico Buarque que, não sendo nem uma coisa nem outra, sempre foi um referência fundamental desde que "A Banda" apareceu em 1966", concluiu João Carlos.

Carlos Santos, também ele perito na música portuguesa dos anos 60, opina que, realmente, "a Jovem Guarda teve o expoente máximo, em Portugal, em Roberto Carlos", adiantando que ainda hoje o cantor brasileiro é "muito ouvido".

Mas não podemos esquecer outros grupos e artistas que na altura tiveram êxitos e também foram muito queridos no nosso país e fizeram as delícias de muita "malta", apesar de não terem tido tanta influência. Estou a lembrar-me, por exemplo, de Erasmo Carlos, Golden Boys, Celly Campello e seu irmão, Tony, Incríveis, Fevers, Renato e Blue Caps. Mas ainda outros tiveram alguns êxitos por cá Silvinha, Martinha, Wandeléa, Trio Esperança, Jet Black's, The Jordans, Leno e Lilian, Ronnie Von, Jerry Adriani e Brazilian Bitles. Menos conhecidos, mas de que eu também gostava, apareceram os Brazões, Galaxies, Luizinho e seus Dinamites, os VIPs...".

Esta ronda de opiniões, aleatória, mas que pretendeu abarcar o maior leque possível, permite concluir que, em Portugal, a noção de Jovem Guarda não é (não foi) consonante com a que imperou no Brasil. Aliás, a noção de Jovem Guarda só muitos anos mais tarde foi apreendida em Portugal e nos anos 60, praticamente, só Roberto Carlos e Celly Campello existiam. Como quer que seja, excepção feita obviamente a Roberto Carlos, nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque de Hollanda, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Simone, Milton Nascimento e poucos mais sempre tiveram muito mais êxito e influência do que a Jovem Guarda tal e qual a conhecemos nos dias de hoje.