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Entrevista

The Originals


Primeira grande entrevista dos Originals, realizada no dia 11 de maio de 2005, uma semana depois da gravação do DVD no Canecão, com todos os membros presentes no estúdio de Miguel Plopschi na Barra (RJ). Durante quase duas horas, Marcelo Fróes e Elias Nogueira conversaram sobre presente, passado e futuro com Miguel, Netinho, Pedrinho da Luz, Almir Bezerra, Ed Wilson, Cleudir Borges e Nenê.


Quem começou este projeto e há quanto tempo?
Miguel Plopschi - Tem mais de um ano, eu acho que tem uma no e meio, que o Pedrinho me procurou com a idéia dele, do Almir e do Cleudir, de nós fazermos de novo os Fevers originais... Juntar a banda, com os componentes originais. Seria uma volta dos Fevers, já que fizeram tanto sucesso naquela época - fonograficamente falando, e com shows no Brasil inteiro. Mas isso dependia do interesse do Liebert Ferreira e Luiz Cláudio, que são remanescentes e que estão com o nome da banda. Achei a idéia super interessante, porque eu também - depois que saí da vice-presidência da Sony - fiquei na verdade sem ter um trabalho fixo... e tava com tempo ocioso. E achei bom pra mim, eu gosto muito de participar de música - de tocar até, apesar de ter parado de tocar há 28 anos. Achei a idéia ótima e convidei o Liebert e o Luiz Cláudio pra conversar, mas eles não se interessaram pela idéia.

Então fiquei pensando: Pô, será que a idéia vai morrer aí?" Ai fiquei pensando assim: "Bom, assim como tem componentes originais dos Fevers, há outros componentes originais fora de suas bandas - como Os Incríveis, Renato e seus Blue Caps etc. Por que não juntar estes componentes e fazer uma nova banda, com componentes originais que se chamariam The Originals? A idéia veio na minha cabeça, completa. Aí, pensando nisso, eu pensei nos Incríveis, afinal eu vivi essa época e ninguém pode dizer como foi e como não foi. Eu sabia que, nos anos 60, existiam em São Paulo várias bandas e no Rio várias e várias bandas. Mas as mais famosas, que fizeram sucesso de verdade e que fonograficamente tiveram retorno, e que não é cascata, porque eu já estava na indústria em 1965 e sei quem é que vendia. Em São Paulo, eram Os Incríveis, e no Rio foram Renato e, em seguida, os Fevers - que venderam muito. Então eu pensei: "Bom, se essas três bandas se unem nos Originals, vai ser uma coisa maravilhosa!" Aí eu pensei imediatamente no Netinho, que sempre foi o líder fundador e o mentor dos Incríveis. Liguei pra ele e, claro, no começo o impacto não foi do tipo "oi Miguel, que bom, vamos fazer!" Ele pensou, pesquisou e analisou, afinal ele tem toda uma vida com os Incríveis ainda... e com o Casa das Máquinas. E, ao mesmo tempo, pensei no Renato... e em quem estaria fora da banda. Quem fora mais importante na história do Renato, dos que estão de fora?

Os dois mais importantes foram Paulo César Barros, que participou do começo e ficou até 1968, e o Edinho, o outro irmão - Ed Wilson, que também participou no início. Consultado, o Paulo César não se interessou... porque estava com um disco pronto e que ia sair pela Som Livre. E, naturalmente, o Edinho também foi consultado... e ele, que é um dos maiores cantores... porque canta maravilhosamente bem... se interessou e veio. Então já tínhamos Almir, Cleudir, Pedrinho, Miguel, o Netinho - que estava se decidindo - e o Edinho, que se interessou. E, quando eu falei com o Netinho, trocando idéias durante meses, ele falou: "Pôxa, como o Paulo César não topou, nós estamos precisando de um baixista!" Aí rolou a idéia do Nenê, que foi o baixista dos Incríveis... e que seria o componente dos Incríveis que canta, afinal o Netinho não canta... por causa do problema que teve de garganta. E aí se formou a banda, já no final de 2004.

Aí nós nos reunimos, conversamos, trocamos idéias e isso também levou dois ou três meses, até todo mundo decidir se vai enveredar por esta estrada. Precisaríamos de muito tempo de ensaio, teríamos que arrumar uma gravadora e investir na produção. Eu faço essa parte comercial e promocional da banda, coisa que eu sempre fiz na vida, e, com a experiência de direção e produção na indústria fonográfica. Então eu falei: "Agora, qual é o próximo passo? A banda quer trabalhar? O próximo passo então é eu arrumar uma gravadora!" Obviamente que eu analisei o quadro das gravadoras. Como as gravadoras multinacionais hoje em dia estão nesse estado deplorável, triste, de aproveitamento de passados remotos, sem investir nas coisas novas, eu sabia que eles poderiam se interessar por uma coisa como essa... porque o repertório das três bandas juntas é um filet mignon muito grande. Mas, o que é que acontece? Nós queríamos botar duas ou três músicas inéditas. Nós queremos ter uma música no rádio, nós queremos ter uma música na novela, coisa que é meio complicada... porque é preciso investir no rádio, tem que ter dinheiro pra levar de avião para São Paulo, pra fazer televisão, tem que ter pra hotel... Numa multinacional, é meio difícil ter um DVD como esse... porque a verba é muito curta e eles sempre têm uma lista de N artistas importantes... e que estão na nossa frente pra gastar esse dinheiro.

O que seria mais interessante? Uma gravadora independente. Por que? Porque ela não tem catálogo e, quando acredita num artista, contrata e trabalha pra não perder dinheiro. Das independentes, a que eu achei a mais agressiva e que trabalha muito bem no mercado, me pareceu a Indie Records... e eu fui conversar com Liber Gadelha, que não estava doente. Na época, ele estava bem. Nós conversamos, ele achou a idéia boa e acabamos acertando de fazer trabalho na Indie Records. Gosto muito do Liber, ele é um cara muito competente e agressivo... e toda a equipe da Indie é de muita competência. Levou ainda um mês, pra gente acertar o contrato... e a partir de janeiro começamos a trabalhar aqui. Eu não podia carregar a Indie de custos. Eles pagam pelo DVD, então temos uma parceria moral. Por outro lado, nós também gastamos dinheiro também... porque chegamos à conclusão que teríamos que investir também... tempo... Deixamos tudo de lado e ficamos quase quatro meses ensaiando aqui. Como aqui em casa não tem custo de estúdio, como eles vinham de São Paulo por conta própria e como eu tenho o apartamento da minha mãe vazio e eles puderam ficar lá, foi um esforço coletivo. Foi um investimento de todos.

A gravadora já fez muito, porque com o custo do DVD etc até agora eles já gastaram mais de 200 mil reais. Ainda teremos promoção, então imagina se ele não estourar. Não foi fácil, mas o que foi importante é que o Liber e a equipe entenderam o patrimônio de músicas e de hits que tem essas três bandas, além dos nomes que têm pelo Brasil. Renato e Fevers estão sempre viajando, estão sempre trabalhando, então existe um público... e eu sempre parti da premissa de que hoje no Brasil as pessoas não morrem mais com 50 anos. Com 40 ou 50 anos, as pessoas querem sair pra se divertir e querem ir num lugar, pra ouvir e cantar as músicas que gostam e tal. É claro que o pagode é muito interessante, o hip hop também, o rap e tal, mas muita gente não se identifica muito - especialmente os mais velhos. Então existe uma demanda muito grande por esse tipo de espetáculo, que nós podemos fazer. Nós podemos pegar uma platéia de três mil pessoas e botar pra cantar e dançar no Claro Hall. Achei que esse é o caminho e falamos com empresários experientes e sérios, e eles acharam a idéia fantástica - porque realmente não tem uma banda aqui que resgate tudo isso. Vamos ter trabalho todo fim de semana e vamos ter que trabalhar a semana toda. É o que todos estamos precisando, mas é claro que é interessante fazer música.

Depois do lançamento deste DVD a banda continuará, trilhando uma carreira?
Miguel Plopschi - Claaaaaro, nós não estamos fazendo uma comemoração. Isso é um projeto sim, mas um projeto para durar! Não é um encontro eventual de um disco. Não é um encontro. Lá fora, quando querem fazer um grande espetáculo, o que é que eles fazem? Eles juantam Paul McCartney, Eric Clapton, Phil Collins, John Fogerty e enchem um estádio com 150 mil pessoas, pegam lá uma grana que dá pras crianças pobres. Depois que acabou, cada um vai pra sua casa. Também, eles não precisam, afinal cada um 1 bilhão de dólares no banco, né? O que não é o nosso caso tupiniquim aqui, né? (risos) Pelo contrário, aqui pra ficar rico é complicado... então a gente decidiu ir pra estrada. O que pode ter melhor, do que ir para uma estrada limpa no sentido de que você vai tocar nas melhores casas e com um bom cachê. Com essa música, música na novela e na rádio, e aparecendo em programas de TV, quem não vai querer assistir?

E quanto ao jovem, vocês acham que ele comparecerá?
Miguel Plopschi - Olha, o jovem muitas vezes vem por curiosidade... Mas a verdade é que nós não vamos atingir um menino de 15 ou 16 anos, mas é óbvio - pelo que acontece com Os Incríveis ou com os Fevers, quando tocam - que não vai só "a velharia"; os jovens também vão. Até porque essas músicas são eternas, elas não morreram em 1970. Entendeu? Uma música de pop ou rock é diferente de uma música de Francisco Alves ou de Orlando Silva, que ficaram lá pelos anos... Porque é uma outra levada, é uma outra coisa. Se você toca uma música nossa, ela agrada como uma música pop atual internacional. O rock dos anos 60 é inocente, como "She loves you, yeah yeah yeah", mas é uma coisa que pegava em todo mundo. Está colado em todo mundo, existem tantas bandas cover de Beatles tocando até hoje. Então... mas nós não somos cover, nós somos nós mesmos! Porque nós é que estávamos na frente, quando tocávamos na televisão. Com todo respeito pelos outros componentes das três bandas que estão aí rodando, mas quem é que ficava lá na frente dos Fevers? Era o Almir, que era a voz da banda, o Pedrinho, eu e o Cleudir logo à esquerda, entendeu?



Você vai cair na estrada, tocando sax com a banda?

Miguel Plopschi - No começo, sim... Eu pretendo voltar a trabalhar na indústria, estou até vendo uma série de coisas, porque é uma coisa que eu sei fazer e que eu quero fazer, né? Mas eu ficarei por trás deles...

Pedrinho da Luz - Não, sob hipótese alguma... (risos)

Miguel Plopschi - Eu estou 24 horas por dia por conta disso. Então é claro estarei tocando saxofone ali no palco, nas principais casas do Brasil e na televisão... mas com o tempo eu também não terei saúde pra fazer isso e ainda cuidar da produção dos discos.

Netinho - Com o tempo, todos nós acabaremos... (risos)

Miguel Plopschi - Bom, a longo prazo estaremos todos mortos! Mas, nos próximos dois ou três anos, nós estaremos aí... dependendo da saúde de cada um. Todo mundo está animado e a coisa está sendo feita com muito amor, porque é a oportunidade de voltar por cima e estar nos melhores programas de televisão, fazer rádio e imprensa e voltar a tocar em lugares que jamais poderíamos sonhar voltar a tocar... Pelo que conversei com empresários do mais alto nível, e que estão interessados na banda, não tem problema nenhum; dá pra ter um cachê muito bom e tocar em boas casas. Não nos interessa pegar uma estrada e ir em cidades de 50 mil habitantes, se for pra tocar em lugares em que o microfone dá choque ou que não tenha infra-estrutura, coisa que os outros fazem. Nosso negócio não é caça-níquel, é fazer um negócio do mais alto nível... porque nós realmente já fomos as bandas número 1 do país. Então... por que não fazer direito? Essa foi a idéia na qual as pessoas acreditaram... e estamos aqui já na segunda fase - terminando o DVD e o CD, pra partir pra fase terceira, que é a de promoção. Já temos o Faustão marcado para o dia 12 de junho, dia dos namorados, porque é o aniversário dele e ele sabe do nosso pontecial. Temos 50 canções ensaiadas, poderemos tocar qualquer uma que ele queira no programa.

E quanto às canções novas?
Miguel Plopschi - Nós temos três músicas novas. "A Gente Era Feliz E Não Sabia" é uma canção do Almir, que não é inédita mas nunca foi trabalhada pelos Fevers. Está apenas no disco deles, mas não existe para o grande público. Estou falando como homem de disco, né? É como se fosse uma música nova e que ninguém conhece. Outra música é a que entrou na novela, como tema de Arlete Salles - que em "A Lua Me Disse" terá vários namoros, muito engraçados e com personagens incríveis. A música chama-se "Amar Você" e é da autoria de Michael Sullivan e Paulo Massadas. A terceira foi feita pelo Edinho (Ed Wilson, responsável pela melodia) e pelo Dudu Falcão, que fez a letra. Ela vai dar nome ao disco: "Pra Todo Mundo Ouvir". A letra da música é uma conclamação, tanto pros jovens quanto pros velhos, para que acreditem... pois a vida não acaba enquanto houver esperança.

Todas em versão ao vivo?
Miguel Plopschi - Não, uma só foi feita em estúdio: "Amar Você", que nós gravamos pra trilha da novela. Essa música foi uma sorte enorme, ela foi encomendada pelo Mariozinho Rocha e pelo Roberto Talma pensando na personagem da Arlete Salles. Eles queriam uma música "anos 60", porque ela é uma mulher de 50 e tantos anos. Então a música é justamente meio Beatles, meio anos 60... e já está tocando na novela, e vai tocar ainda mais... por causa dos namorados que ela vai arrumar pela Internet. Como ela vai rolar muito bem, vai ser muito mais fácil pra Indie conseguir botar a música na rádio... porque hoje em dia é muito complicado entrar na rádio. Nós acreditamos muito nessa e também em "A Gente Era Feliz E Não Sabia". É um som com a nossa cara, porque não adiantaria a gente fazer heavy metal e dizer que somos Sepultura, porque seria uma mentira. Somos fiéis ao que sempre fomos. Ficou muito bom, Edinho e Dudu foram muito felizes nessa.

A versão de estúdio entrará como bônus do CD?
Miguel Plopschi - Sim, entrará... mas bônus mesmo será o megamix que o Memê está fazendo pro CD. No DVD, será fundo do making of... Vamos cercar por todos os lados.
É uma nova banda, com horizonte indefinido?
Miguel Plopschi - A nossa vontade é a de durar enquanto todos nós tivermos saúde, Deus nos ajudar e nós pudermos ficar na estrada.



Eu pergunto isso porque, quando se tem outras bandas envolvidas, é como se um projeto desses fosse um hiato na carreira principal dessas bandas. Como é que ficaram Os Incríveis?
Netinho - A princípio, a gente parou. Nós tivemos que optar e eu resolvi encarar essa.

Miguel Plopschi - Esse foi um dos motivos por que demorou a decisão, porque não era fácil decidir isso.

Netinho - Pra mim a decisão até não foi tão difícil, porque eu já era o único remanescente dos Incríveis. O Nenê também estava afastado.

Miguel Plopschi - Também tínhamos outros problemas, pois o Edinho tem sua carreira como cantor gospel. Ele optou pelo nosso, porque ele se identifica muito com o que ele é - como compositor e como cantor. Ele sempre foi um cantor de rock, até depois do Renato e seus Blue Caps. Almir também tem sua carreira solo... e parou por isso, pra vir pra cá. Mas eu acho que a idéia, depois de absorvida e digerida por todos, conquistou...

Netinho - Bateu muito forte esse convite, e por duas razões. Primeiro pelo time e pelas pessoas, porque a gente foi muito feliz... Nós nos demos muito bem. O time é genial e a gente confia de ganhar todas as partidas. E segundo pelo Miguel, que é uma pessoa do mercado fonográfico. Isso tudo nos levou a acreditar e me levou a entrar de cabeça... e a abandonar tudo, realmente. Tanto é que eu fiquei aqui no Rio desde fevereiro, praticamente de segunda a sexta... sem trabalhar lá. Eu tava remontando o Casa das Máquinas, já tinha feito quatro shows e já estava retornando. Tive que abandonar também isso, pra você imaginar como a coisa nos pegou forte.

Miguel Plopschi - O interessante é que, essa confiança do Netinho - que nós todos tiveram - fez com que a cada dia de trabalho confirmasse que a gente não estava errado. A gente começou sem ter a certeza de uma gravadora, e sem ter a certeza de como isso seria recebido. Não tínhamos certeza nenhuma de nada, mas nós acreditamos e apostamos. É como abrir um boteco ou um restaurante, acreditando que as pessoas virão. Ensaiar durante quatro meses, sem ter ainda a certeza do que vai acontecer, é sinal de que todo mundo acreditou... e com muita alma. Estou muito feliz, porque na verdade não imaginava voltar a tocar. Eu tinha uma técnica, mas hoje em dia não a tenho mais... Mas tenho o som e uma energia.

Você tocava naqueles LPs da orquestra do Steve Bernard?
Miguel Plopschi - Eu toquei com ele, mas não estou nos discos. Quando cheguei ao Brasil em 1964, vindo da Romênia, o Steve Bernard era uma das duas maiores orquestras que tinha. Jorginho, que era o maior saxofonista e flautista, teve que fazer uma operação no rim e o Steve Bernard ficou sem sax alto no naipe - que tinha Paulo Moura e uma turma da pesada. Ele também era romeno, na verdade húngaro, e me chamou na casa dele. Ele me alugou um sax alto e eu fui e toquei durante um mês e meio no Hotel Glória, todas as festas de formatura, embora não fosse o meu instrumento. E assim me enturmei com os músicos... e que eram os maiores músicos do Brasil: Ed Maciel etc. Aquele foi meu começo, seis meses antes de entrar nos Fevers: em janeiro de 1965 eu entrei pro Steve Bernard e em junho já estava nos Fevers. A minha entrada nos Fevers teve até um momento de muita emoção, porque foi o Pedrinho quem me acolheu. Eu vim pro Brasil, pra casa dos meus parentes - que são muito ricos. Inclusive briguei com eles e saí de casa, quando resolvi ser saxofonista. Isso causou uma comoção e eu tive que viver por conta própria pro resto da vida. Estava na casa do meu tio, assistindo aquela televisão enorme na sala, naquele apartamento enorme na Av. Atlântica, e vi que a única banda que não tinha saxofonista - dentre as que se apresentavam no programa do Jair de Taumaturgo - eram os Fevers. Eu peguei o telefone e liguei pra TV Rio...

Nem falava português direito ainda, né?
Miguel Plopschi - Mais ou menos, eu aprendi rápido. Eu já falava italiano, como falo alemão, russo, romeno e inglês. Então peguei o telefone e quem me atendeu foi uma figura mitológica da televisão brasileiro, Ciro de Carvalho - que era braço direito do Walter Clark, do Boni e daquela equipe da TV Rio no começo dos começos, antes de irem pra TV Globo. Naquela época atendia sem perguntar "Miguel de onde?", como hoje. "Olha, aqui é o Miguel, eu sou um romeno e estou aqui; toco saxofone e vi uma banda chamada The Fevers, será que eu poderia ir aí e fazer um teste com eles?" Ele respondeu: "Tudo bem, eu vou falar..." Ele falou com o Pedrinho, eu peguei um táxi e fui lá pra porta da TV Rio - lá perto, ali na Av. Atlântica mesmo. Quando eles saíram, eu estava lá esperando - ainda de paletó branco, naquele esquema da Romênia, mesmo com aquele calor de 40 graus. "Você é o Pedrinho? Eu sou o Miguel... e gostaria de fazer um teste". Ele me deu o endereço dele na Piedade e na segunda-feira eu peguei um ônibus, depois peguei um trem e ainda andei até a casa dele. Eles me receberam, eu fiz o teste, eles me aprovaram e realmente foi assim que eu entrei pros Fevers.

Pedrinho da Luz - Falando pelo lado musical, o romantismo dessa história vem pelo fato de que os Fevers vieram depois do Renato e seus Blue Caps. Nós éramos vizinhos e a gente curtia quando eles se apresentavam no programa do Carlos Imperial: "Nós vamos chegar lá, nós vamos chegar lá!" E chegamos na televisão, modestamente. De repente nos chega um cara tocando um sax com o som do Manito, dos Clevers... Pô, aquilo era o som! O sax que se ouvia normalmente tinha um sonzinho de barata, e o sax bom era o do Manito.

Miguel Plopschi - Eu não sabia disso, tentei até imitar o som do Carlos Becker (dos Angels)... mas ele usava uma outra técnica, que eu não sabia fazer. Cid também sabia tocar direitinho, mas não tinha aquele som que só o Manito sabia fazer.

Pedrinho da Luz - A escola vinha lá de fora, a gente ouvia nos discos dos americanos ou dos italianos, e só o Manito sabia fazer aquele som. Aí o Miguel chegou...

Miguel Plopschi - ... e aí apareceu uma música chamada Wooly Booly, da qual nós fizemos uma gravação. Almir ainda não era o vocalista principal, ficamos todos fazendo vocal. E eu fiz aquela risada, o que criou uma marca e nos fez chegar ao primeiro lugar com aquele compacto. Foi aí que nós começamos e fomos ao top das paradas. Eu comecei a me aproximar de produção, e na época o Pedrinho já estava produzindo. Os primeiros compactos - na Philips - foram produzidos pelo Romeu Nunes, e depois nós fomos produzidos na Odeon por Rossini Pinto. O estouro só se deu a partir de 1968, quando começamos a nos produzir... e até 1982 fomos a banda de maior vendagem de discos no Brasil. Vendíamos uma média de 250 a 300 mil cópias, o que era uma boa venda. Em 1982 a Blitz finalmente passou a gente, mas desde 1968 não tinha pra ninguém. Renato e seus Blue Caps era uma banda de imenso talento e era o maior sucesso na Jovem Guarda. Depois de Roberto Carlos, não havia um artista que vendesse mais disco que o Renato. Quando eles entravam no palco, nós ainda éramos coadjuvantes... mas eles vendiam mais discos que Erasmo, Wanderléa ou Jerry Adriani. Renato sabia escolher repertório... e o segredo era esse. Era um sucesso absurdo e eu fui pesquisar, de forma que a partir de 1968 passei a produzir os discos dos Fevers. Ainda em 1982, nós vendemos 180 mil discos... mas a Blitz vendeu 300 mil, por causa de Você Não Soube Me Amar.



Analisando historicamente, a gente verifica que nos anos 60 os compactos do Renato é que aconteciam, em termos de rádio... e que nos anos 70 os compactos dos Fevers é que passaram a acontecer.

Miguel Plopschi - Não só os singles, nós também vendíamos LP. Mas sim, nós estourávamos dois ou três compactos por LP. Os LPs deles também vendiam muito, mas na época o Evandro Ribeiro da CBS usava o disco "As 14 Mais" pra vender algo perto de 1 milhão de cópias. Ele botava uma inédita do Roberto, uma inédita do Renato e essas duas puxavam o disco. Tanto é, que o Roberto tem várias músicas de "14 Mais" que nunca entraram em seus LPs.

Almir Bezerra - A verdade é que a história dos Fevers em São Paulo foi toda dentro da TV Record. Então nós fomos contratados pra fazer oito programas por mês, e acabamos fazendo trinta... porque nós acabamos sendo solicitados para tudo quanto era programa. E por que? Porque a gente era rápido em estúdio. Entre 1966 e 1970, nós acompanhamos em estúdio aproximadamente 90% dos artistas da época da Jovem Guarda. Renato fazia muito antes da gente, depois ele ficou de saco cheio e não quis mais gravar.

Miguel Plopschi - O Sr. Evandro, que foi o mitológico presidente da CBS na época da Jovem Guarda, ele gostava de misturar os Fevers e o Renato e seus Blue Caps... e criou o Big Seven.

Almir Bezerra - Nós fomos contratados pro Jovem Guarda por causa dos cantores que já haviam gravado com a gente no estúdio. A maioria tinha preguiça de ensaiar, e a gente conhecia o repertório todo. A TV Record levou a gente pra fazer acompanhamento no programa Jovem Guarda, quatro programas por mês.

Miguel Plopschi - Nessa coisa de acompanhar, naquela época havia na Odeon havia a orquestra da casa e o maestro Peruzzi ensaiou conosco, porque ele queria uma base jovem. Eu era o único que sabia ler música, mas ele ensinou aos outros e isso nos deu qualidade no estúdio, o que foi muito importante. (...) A gente virou produtor da Odeon mas eles nos botavam como assistente de produção. Milton Miranda era um grande diretor artístico na Odeon, era uma pessoa muito competente... mas quem ia pro estúdio produzir éramos nós, mas nossos nomes não apareciam. Depois que puseram "produziro por..." nos discos, é outra coisa... mas o que nós fizemos de sucesso, sem ganhar nada, é uma coisa impressionante. Nós éramos tão inocentes, que no final dos anos 60 a gravadora se aproveitou muito. Eles estavam no papel deles, de pegar o lucro maior... mas gente também não tínhamos um empresário experiente. Era eu mesmo quem cuidava das coisas, eles chegavam pra gente com um dinheiro e naquele momento era "um dinheiro". Nós estávamos começando a vida e todos queríamos comprar apartamento, então eram 10 mil pra cada um nos discos "Vem Me Ajudar", "Mar de Rosas" etc. A maior parte dos artistas são assim, mas tem artista que recebe uma fábula. Nós ganhávamos aquilo e não tínhamos royalties.

Vocês receberam em alguns discos dos Fevers o mesmo que recebiam pra gravar um disco dos Supersonics?
Miguel Plopschi - Com os Fevers a gente recebia mais, mas eu tô falando isso pra você com relação a uma época em que a gente ainda não era funcionário da Odeon. Eu só virei diretor da Odeon em 1974, então antes, como eu não era nenhum idiota, se o cara me oferecia um dinheiro que representava quase a metade de um apartamento, é óbvio que eu aceitava. Os royalties no Brasil são pagos nos 60 dias após o fechamento de cada trimestre, com os descontos etc, numa época de inflação, não podia ser diferente. Eram outros tempos e nós, que éramos mais espertos, preferíamos pegar o dinheiro na mão do que deixá-lo voando dentro de uma companhia. Nós não sabíamos que teríamos aquele estouro de 250 mil cópias, éramos tão inocentes que nem sabíamos os números de vendas...

Os Fevers também foram envolvidos na investigação de corrupção de menores, promovida por um Juiz de Menores em 1966. Isso prejudicou vocês aqui no Rio, não?
Almir Bezerra - Esse tipo de coisa acontece até hoje, foi uma campanha sórdida... porque os caras que fomentaram isso também eram comedores. Eles queriam nos derrubar.

Miguel Plopschi - Eu ainda nem tinha saído da casa dos meus tios quando isso aconteceu, e 70% dos artistas foram colocados nessa lista.

Almir Bezerra - Quando a Jovem Guarda surgiu, começou a incomodar uma porrada de gente. Vinha aqui o Almir, de Padre Miguel, cantando... e a mulherada gritando "gostoso"... Isso começou a incomodar, e foi uma coisa de "temos que derrubar esses caras".

Miguel Plopschi - Isso é verdade, mas tinha um Juiz de Menores aqui no Rio - Gusmão - que resolveu aceitar a denúncia dos detetives que estavam no lance. A verdade é a seguinte: eles pegaram umas garotas de menor, vestiram como se fossem colegiais e fomos chamados ao Juizado. Elas começaram a apontar e ficaram só apontando: "Ah, esse sim!" Eu posso dizer uma coisa pra você e eles são testemunhas: eu nunca tive nada com nenhuma dessas garotas que me acusaram. Era uma mentira. Pegaram quatro dos Fevers e os que mais comiam as meninas não estavam nessa parada! (risos) Eu, Pedrinho, Cleudir e Liebert é que fomos apontados! Nós pegamos o melhor advogado criminalista do Rio e ele falou: "Vocês vão lá e falam a verdade!" Nós fomos lá, dissemos que realmente nada tínhamos a ver com aquilo e na verdade não fomos sequer indiciados, mas - apesar disso - esse Juiz nos proibiu de nos apresentarmos no Estado da Guanabara. Acabamos indo tocar em Niterói, durante quase um ano no Hotel Jangada. Eduardo Araújo, Erasmo Carlos etc, todo mundo foi atingido... e não adiantou nada, porque a Jovem Guarda estourou da mesma maneira.

Vocês gravaram dois compactos simples e um duplo pela Philips, e Wooly Bully fez sucesso. Por que vocês não foram contratados para um LP pela gravadora? Por causa da investigação?
Miguel Plopschi - Não, não foi isso. Eu entrei pra banda e fiquei chateado, porque na época o diretor artístico da Philips - João Araújo - dava aporte muito maior à Bossa Nova. Eu falei com Pedrinho, que era fundador, que eu achava que, se a gente continuasse ali, a gente sempre ficaria em terceiro plano. A CBS já tinha N artistas na Jovem Guarda... e a gravadora que nós queríamos era a EMI, que já tinha Golden Boys e Trio Esperança e queria fazer um núcleo de música jovem no Brasil. Fui na sala do João Araújo, eu disse que gostava muito dele e tal, mas que a gente queria ir pra EMI... e eu pedi que ele liberasse a gente. Ele nos liberou e nós fizemos um primeiro LP pra EMI...

... como Supersonics.
Miguel Plopschi - Não, isso não era bem assim. O Supersonics era uma maneira de ganhar uma graninha. "Vem cá, tenho um disco pra vocês fazerem... em quatro dias! Tá dando 5 mil pra cada um!" Fazíamos na hora. A verdade nua e crua é que nós fazíamos sim, mas não colocávamos nosso nome porque tínhamos uma carreira principal como The Fevers. Fazíamos Supersonics pro selo Imperial, da própria Odeon, também fazíamos coisas pra selos pequenos aqui do Rio e até Som Bateau pra Polydor. Nem lembramos mais de tudo, porque fazíamos um novo a cada 15 dias.

Cleudir Borges - Sim, e eu era o Cardinale...

Pedrinho da Luz - Claro, existia a Cláudia Cardinale e ele era o Cleudir Cardinale! (risos)

Miguel Plopschi - É verdade, a gente fazia muitas coisas com componentes dos Fevers, principalmente aquele discos creditados à Década Explosiva ou Década Romântica. Luiz Cláudio cantava as músicas em inglês.

Pedrinho da Luz - We, Peter, Vacations, Age Of Venus e outras coisas são brincadeiras minhas. Éramos sempre nós, só variava o solista.

Miguel Plopschi - No começo nós sempre cantávamos todos juntos, e foi por causa de um solo vocal do Almir numa das primeiras gravações pra Odeon que o disco deixou de ser dos Supersonics pra virar um LP dos Fevers. E os Fevers acabaram estourando com Já Cansei, cantada por ele no LP de 1968.

Mesmo nos discos para os pequenos selos, a gente já ouve o Almir.
Miguel Plopschi - Sim, e foi ali que a gente chegou à conclusão de que tinha que pegar ele pra ser o cantor principal.

Almir Bezerra - Os caras me pegavam pra imitar o Roberto Carlos. Imagina eu, com um timbre tão diferente...

Voltando ao DVD dos Originals, qual foi o critério pra escolha dos convidados?
Miguel Plopschi - Nós temos um passado que é ligado ao rock. Infelizmente existem jornalistas e críticos que acham que o rock não começou nos anos 60, com essas bandas... ou com outras. Acham que o rock começou com Mutantes, com Rita Lee etc. Realmente, os Mutantes eram muito bons... mas era um rock progressivo, que teve uma ou duas músicas que aconteceram e o resto ficou restrito ao círculo deles. A Rita estourou em 1975... e eu estou falando do começo, e o começo não pode ser negado. O cara pode realmente não gostar, mas eu realmente não entendo como pessoas que não participaram da época queiram dizer como foi. É como alguém querer me dizer como foi o comunismo na Romênia, porque eu vivi isso e ninguém pode saber disso melhor que eu. Isso me deixa impressionado, porque a história é a história e ninguém pode mudar a história. O gosto do crítico é uma coisa, mas o público é quem consagra. É preciso haver um respeito, como em qualquer país civilizado. O cara pode achar que está dando IBOPE pro jornal escrever mal sobre algumas pessoas, mas você não pode negar a história. Nos anos 60 só tocavam artistas de Jovem Guarda no rádio, não existia música estrangeira. Eram raríssimas, a não ser Beatles e alguma outra coisa. 90% era música de artistas jovens brasileiros, e isso era bacana. E aí, nos anos 70, começaram a tocar 80% de música estrangeira e 20% de música nacional. E diziam que respeitavam a lei, tocando as músicas nacionais de madrugada... Quer dizer, os mais velhos sabem qual é a verdade... mas essa verdade é administrada de acordo com a conveniência desses críticos ou de seus órgãos de imprensa. Isso é triste, mas nós fomos de três bandas que começaram o rock no Brasil e naquela época não tinha amplificador, nem guitarras e nem nada. Nós fazíamos shows sem PA, mas tocávamos para 10 mil pessoas.

Mas as músicas tocavam tanto no rádio, que as pessoas cantavam do começo ao fim. Eu não vejo isso hoje em lugar nenhum, então eu acho uma maldade não lembrar disso e a gente não tem espaço pra falar. Mas, enfim, sobre os convidados, como nós fomos os precursores do rock, resolvemos assumir e convidamos os que vieram depois. Frejat, Gessinger e Samuel não puderam vir, mas os outros vieram com prazer. O que eu quero dizer com isso é que esses artistas não vieram pra fazer média conosco, porque eles não precisam. Eles vieram por prazer e nós trouxemos o Chorão, que é o cara mais estourado do país e não tem preconceito algum. Ele é um artista e sabe o que está fazendo. Nós passamos pela Jovem Guarda, fazemos parte do rock e nos orgulhamos de tudo. Nesse show nós queríamos mostrar esse nosso lado rock e por isso essas pessoas vieram, principalmente o Erasmo - que é um dos fundadores da Jovem Guarda e que é "O Tremendão", considerado um dos pilares do nosso rock. Não somos das três bandas da Jovem Guarda, nós fomos de três bandas de rock!

É bom frisar, porque lançar essa banda em pleno ano de 40 anos de Jovem Guarda pode tomar outra conotação.
Miguel Plopschi - Nós não somos shows da Jovem Guarda, nós somos uma banda. Mas, se da parte do contratante houver interesse de reunir-nos com Erasmo ou qualquer outro, tudo bem.

Pedrinho da Luz - A coisa atrasou um pouquinho, porque na verdade nossa idéia era de fazer pros 50 anos do rock. A gente ouvia Shadows e Ventures, e pensava também no Cliff Richard. Então, com os Originals o bacana é que todo mundo gosta do mesmo tipo de música. Almir conhece tudo dos anos 60.

Miguel Plopschi - O que está acontecendo é que o nosso disco era pra ter sido gravado em maio de 2004. O fato do Paulo César não ter se decidido e de ter levado três meses pra dar uma resposta, o fato de que Netinho teve que pensar, isso tudo fez com que a coisa se arrastasse. Nós fizemos parte da Jovem Guarda sim, com muita honra, mas nós somos uma banda de rock e a juventude poderá se aproximar, dependendo das músicas inéditas que a gente vai fazer daqui pra frente, cada vez mais. Nossa idéia é essa, e se um próximo projeto não for totalmente inédito será porque temos muito repertório... e a gravadora que te contrata sempre te pergunta por uma música ou outra, não aproveitada no outro trabalho. No começo, você não tem como fugir e é bom pra nós, porque o público tem que saber quem somos cada um de nós... mas a banda já tem personalidade própria.

A formação já fechou? Ou ainda pode aparecer algum "original" de outra banda e juntar-se?
Miguel Plopschi - Fechou, mas em termos de show, a gente pode fazer coisas incríveis. A gente pode convidar o Chuck Berry ou o Little Richard para fazer um show, por exemplo, num evento especial.

Netinho - Uma das coisas que pegou nos Originals é que a gente curte as mesmas coisas. Eu não conhecia os Fevers direito, a gente se conhecia de bastidores... Mas, depois de tantos anos, conviver com Almir, Miguel, Pedrinho e Cleudir foi de uma afinidade tão gostosa - porque a gente começou devagarinho, ensaiando e sabendo que o cara que está tocando com a gente é "aquele cara" e que ele é fantástico. Eu tenho o maior orgulho de trabalhar com cada um desses caras, que são brincalhões e têm talento fora do comum.

Ed Wilson - Pois é, e essa coisa de sermos uma banda de rock foi o que atraiu meu irmão Renato, porque lá na Piedade nós fazíamos rock. Paulo César talvez representasse melhor o Renato aqui, por causa dos anos com a banda. Nós tivemos carreiras bastante distintas ao longo das décadas, mas hoje Cezinha e eu temos muito contato. A gente, os três, se colabora muito um com o outro. Eu sou mais fundador do que propriamente ex-membro dos Blue Caps, mas topei com muita alegria.