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Entrevista

Rita Lee


Entrevista exclusiva realizada por Marcelo Fróes, Marcos Petrillo e Leonardo Rivera para o "International Magazine" em 1995. Primeiramente, a transcrição dos melhores momentos da entrevista coletiva realizada no Hotel Rio Palace, na véspera da estréia do show "A Marca da Zorra" no Canecão. Em seguida, a exclusiva propriamente dita - realizada no camarim da cantora após uma passagem de som, dias depois.


PARTE 1
Rio Palace, 25 de julho de 1995


- Como é que está sendo esta sua volta ao rock, depois de um show de Bossa Nova e de sua apresentação de abertura para os Rolling Stones, no último Hollywood Rock?
- Depois de passar trinta anos fazendo rock, na época do "Bossa'n Roll" eu achei que seria um desafio, né? Agora estou voltando a fazer o que sempre fiz, com um show mais elaborado, com cenário e figurino. "A Marca da Zorra" tem mais este foco de teatro, enquanto na abertura dos Stones, no último Hollywood Rock, a gente meio que deu o ponta-pé inicial para aquelas idéias de fazer figurinos diferentes e escandalosos. A gente tem bastante disso em "A Marca da Zorra". Tá gostoso. Eu me sinto bem segura neste show, pois ele tem uma estrutura muito boa, uma banda afiadíssima, uma luz legal, um cenário maravilhoso e os figurinos engraçados, que é uma coisa que eu sempre gostei e sempre fiz.

- E o que aconteceu com a Bossa Nova? A Bossa Nova errou?
- Eu acho que não. Eu adoro a Bossa Nova. Acho que é a música brasileira que mais se parece comigo. Segundo João Gilberto, eu sou "cantora de rock com voz de Bossa Nova". Eu acho que ele tem razão: eu não tenho aquele "peito" de Janis Joplin. A minha coisa é mais maneira, mas... me encanta la Bossa Nova! Eu não consigo deixar de gostar. Mania de Você é uma grande Bossa Nova, se você for ver. Mas a Bossa Nova não errou, não; acertou pra chuchu! Acertou na fase em que eu estava, pois eu estava numa fase muito intimista, muito pelada no banheiro com o violão, muito acústico, com pânico de eletrônica. Eu não aguentava mais. Eu acho que foi legal. Eu comecei com aquilo como uma auto-terapia, aí eu fui para o palco e a coisa continuou. As pessoas começaram a gostar e eu fiz um disco. Deu pé. Foi bonitinho. Foi legal. Gostei.

- Como é que surgiu esta idéia de fazer uma coisa mais teatral? Você falou que começou no Hollywood Rock. Foi proposital ou foi surgindo e vocês resolveram dar continuidade?
- Esta coisa de teatro eu já fazia no "Babilônia", que foi uma temporada que eu fiz aqui no Tereza Raquel há 703 anos atrás. E eu gosto muito deste clima de teatro, das pessoas me assistirem de perto e sentadas. Porque, depois do "Babilônia", quando veio o "Lança Perfume" e um sucesso mais popular, a gente passou a fazer muitos shows em estádios e ginásios. Ficávamos bastante longe das pessoas. Com "A Marca da Zorra", voltou essa vontade de fazer teatro-rock mesmo, esse tipo de rock-horror. Não foi assim tão planejado e estudado. Eu não consigo fazer muita coisa planejada nesta vida, porque não dá certo mesmo. Então eu vou ao sabor do santo e da coisa toda... Eu sou muito solitária. Eu moro em São Paulo e sou solitária pra chuchu. Eu gosto. Fico com as minhas alucinações.

- Você conseguiu confirmar a Roberta Close?
- Ah, não sei. Puxa, eu gostaria demais de ver o que é que a Roberta Close tem... (risos) Ou o que ela não tem mais, né? Mas, enfim, vocês também estão curiosos, né? (risos) Eu abri... porque a Miss Brasil, esta personagem, dentro do teatro de "A Marca da Zorra", é um momento belíssimo. Não é putaria, entendeu? É uma coisa bonita. É uma mulher linda, maravilhosa, do ano 2000, projetada etc. A gente acha que será nua pra gente ver tudo, né? E eu abri para travestis, drag queens, homens... Enfim, quem quiser fazer o papel da Miss Brasil tem que ser uma pessoa muito bonita... e que seja generosa e que se mostre.

- Você já tem alguém?
- Não tem nada acertado. Eu gostaria que fosse a Roberta Close, porque eu a acho bonita, eu a acho uma mulher maravilhosa. Está aberto... Se você quiser fazer um teste... (risos) Como eu disse, é um momento muito bonito do show.

- O que há de diferente entre este show e o do Hollywood Rock?
- No Hollywood a gente tinha pouco tempo e agora a gente está com um show de uma hora e quinze minutos. Neste tempo, a gente tem várias músicas que não tinha antes; por exemplo, Vítima, Atlântida, Disco Voador e um monte de coisa que eu nem me lembro. Mas a gente tomou muito cuidado com o repertório, com as músicas que a gente gosta e que as pessoas gostariam de ouvir depois de um tempo sem fazer este tipo de show, né? E é a primeira vez que eu vou fazer rock no Canecão. Eu fiz o "Bossa'n Roll", que era uma coisa comportada, mas agora eu poderei fazer uma coisa mais próxima.

- Você pensa em gravar um disco com estes sucessos e talvez alguns novos?
- Penso. A gente vai gravar um disco ao vivo no Canecão... e com algumas coisas novas. Porque, quando a gente vai pra estrada, não dá pra deixar de escrever e compor. A gente fica no hotel o dia inteiro e é um saco. Então, o que fazer? Tocar, né? E escrever, que é o que eu gosto... E eu estou com uma banda muito boa. A gente está fazendo muita coisa nova e eu acho que aos poucos a gente está colocando.

- Você tentou reunir o Tutti Frutti e só conseguiu o Lee Marcucci?
- Ah, o Lee Marcucci é meu companheiro de Tutti Frutti há 59 anos. É telepática a coisa com ele; é contrabaixo telepático! Do Tutti Frutti, eu só chamei ele mesmo. Chamei Roberto de Carvalho, que graças a Deus aceitou o meu convite. Ele está fazendo a direção musical, está tocando guitarra e está me deixando muito mais segura, porque a qualidade que vem do talento dele, como músico e como diretor, é excelente e me deixa muito mais segura. A banda toda é demais. Tem o baterista Paulo Zinner, que eu acho sensacional, maravilhoso e bonito pra chuchu. Tem Ronaldo Páscoa, que também é um rock memory lá de São Paulo. São dinossauros. O único que não é dinossauro é o Fabinho, que é a criança e o nenezinho do grupo, que tem seus 22 anos, toca teclados e canta. Mas tá gostoso, tá bom e tá seguro. Estou em volta de amigos. Nunca tive uma equipe tão fantástica quanto essa. É difícil se arranjar uma coisa tão boa. "Estamos para conquistar o tetra". Saca aquela coisa de "ai, tá gostoso"? Eu não tou nervosa. Não tem aquele negócio de "ah meu Deus, será que eles vão me amar? Será que eles me amam?" Eu acho que estou fazendo uma coisa gostosa. Estou com tesão, principalmente aqui no Rio...

- Você já teve fazer de se sentir assim tão ansiosa?
- No "Bossa'n Roll", que era uma coisa que eu nunca tinha feito. Eu nunca tinha tocado violão acústico e a minha voz ficado sem nenhum efeito, nenhuma fumacinha, nada de Hollywood. Eu fiquei insegura com relação a mim mesma. Eu não sabia se eu iria agradar às pessoas.

- Você tem composto muitas músicas novas?
- Sim, é como eu estava falando. A gente vai pra estrada e, como não tem o que fazer, toca. A gente fica compondo. Tem algumas coisas interessantes. Eu acho que este disco ao vivo terão estas coisas novas pipocando por aí. Não necessariamente ao vivo, né? A gente pode fazer metade ao vivo e um pouco de estúdio, porque eu também adoro estúdio.

- Quantas músicas vocês tem no show?
- Temos 20 músicas. Na verdade, temos 25 músicas, para escolhermos 20 a cada dia. A coisa é maleável. Eu não consigo fazer uma coisa marcadíssima e definitiva. Não dá! Não dá pra ser assim tão radical. Até que gostaria, mas...

- Quais são as inéditas?
- Por enquanto, aqui no Rio teremos A Marca da Zorra, que é a abertura e o final do show. Mas, à medida que ficarmos mais à vontade, tem uma parte no meio do show que é semi-acústica. Então, meio que atendendo a pedidos - porque às vezes você deixa de tocar uma música, as pessoas reclamam: "Pô, não tocou Lança Perfume?" Não toquei mas, se você quiser, no próximo show você pede e eu toco - a coisa fica meio em aberto. E é aí que eu costumo fazer as músicas novas. Tem uma música muito engraçada que se chama Normal em Curitiba, e tem uma outra que se chama Legalize. E aí nessas a gente testa, falando pras pessoas que é nova, pra ter um retorno bem sincero. (risos)

- Você tem ouvido muita banda nova, tipo Planet Hemp e Pato Fu?
- Tenho e estou gostando muito. O Pato Fu é excelente. Lembra Mutantes, mas no bom sentido. (risos)

- Seu processo de criação muda, quando passa do acústico para a banda?
- Não como está sendo agora, pois a gente já faz a música pensando em seu arranjo. Como estou com uma banda e esta é a melhor que já tive - nossa, é uma formação tão bem-aventurada, que eu não consigo sequer pensar em fazer um acústico com esta banda e com este peso, porque metade é metaleiro! (risos) -, tem uma retomada de rock pesado na composição, inclusive. Tem as baladas de sempre, né? As Ovelhas Negra's, aquele tipo de balada que eu faço, que é bem simples, com três ou quatro posições e nas quais se tem um discurso bem sincero e romântico.

- Você já citou que sua irmã Virgínia também integra esta banda.
- Ela dá um apoio nos vocais em Mamãe Natureza e em Ovelha Negra, para as quais a gente fez uns vocais maiores, abrindo mais. Sentimos uma falta dela pra fazê-los. Tá bonitinho. Ela é que é a Ovelha Negra, não sou eu. Eu sou uma santa...

- Ela já havia feito parte de seus planos, para tocar e cantar contigo?
- Olha, eu é que fazia parte dos planos dela, no começo... É verdade, ela tem uma voz grave e muito bonita. Ela é quem começou cantando. Minha mãe cantava, minha irmã mais velha tocava piano e a Virgínia tinha uma voz maravilhosa. E eu nada, apenas ouvia. A gente teve até um trio. Era tudo nome inventado e a gente cantava muito Peter, Paul & Mary... Uma coisa antes dos Beatles. Mas aí ela casou, viajou e me abandonou, razão pela qual eu segui sozinha. Agora ela tá retomando. (risos) É bom. Eu que não tenho família... É bom.

- E quanto à sua volta com o Roberto de Carvalho?
- Puxa, meu! Nossa, tá uma delícia. Um puta-companheiro, um amigo... A gente é bem fecundo. A gente faz filhos, música e show. É uma coisa gostosa. Quando a gente tá mesmo, é bom, é uma química inabalável. Mas foi boa a separação. Você tem que dar esta dinâmica, indo morar separado, fazer toda a sua vida e juntar na hora exata.

- Vocês brigavam?
- É, num casamento de mais de dezoito anos, não há como um não morder o outro de vez em quando.

- Você fez alguma coisa durante este período?
- Fiz o "Bossa'n Roll", que é a cara dessa coisa sozinha e insegura. Eu não sabia se as pessoas iam gostar de mim deste jeito. Eu tive que experimentar isso.

- Qual a análise que você faz hoje dos Mutantes? Como você vê esta influência que eles exercem hoje em dia, até sobre artistas internacionais?
- Eu acho engraçado os Mutantes virarem moda agora neste final de milênio. É a cara dos Mutantes. Eles nunca aconteceram na época que tiveram que acontecer. Eu acho benvinda a coisa toda, como informação, né? A grande massa de gente que vai assistir a este novo show é de garotada. E são curiosos, sabem de tudo e eu não preciso explicar nada. Se você não toca uma música e nem se lembra dela, eles sabem de tudo. Então eu acho gostoso este revival. É bom, é benvindo. Eu não tenho vontade de voltar. Mutantes não me dá um saudosismo muito querido, não. Eu não consigo ouvir nenhum disco meu, depois que acabo de mixá-lo. Aliás, em casa eu não tenho nenhum dos meus discos. Eu sou muito exigente e, se escutá-lo depois da mixagem, só vai dar crítica. Eu posso me poupar disso.

- Esta idéia de lançamento de gravações inéditas dos Mutantes, que talvez possam existir, te agrada ou não?
- Eu não sei. Sabe o que é que é? Os dois - as irmãs Lindinha e Dircinha Batista - são muito complicados. Na época que Gil fez cinquenta anos e alguém ia fazer um disco, eu batalhei para que os Mutantes voltassem, sabe? "Ok babies, não tem ego aqui! É Gilberto Gil, nosso mestre! Vamos lá fazer uma gravação de Bat Macumba!" Eram só duas posições! Sem mistério! Um pediu 100 mil dólares, o outro pediu 500 mil marcos holandeses... Sabe, vai ficar trabalhando com um rei na barriga, de trinta anos atrás? Eu não sei fazer isso...

- Estou perguntando com relação à pesquisa no acervo da PolyGram, onde podem existir sobras dos discos originais?
- É? Existe isso? Eu tinha um monte... mas joguei tudo fora! (risos) Numa boa, não é de pouco caso, não. Mas é a dificuldade que teve na hora que eles me mandaram embora. Teve uma dificuldade de digestão. Até hoje tem divã de analista no meio. Bwana pra Mutantes? Legal, só eu sei o que eu passei por causa deles.

- Fala-se muito dos Mutantes ligados ao Tropicalismo. Mas, antes dos Mutantes serem Mutantes, vocês tiveram O'Seis e outros conjuntos. Vocês até chegaram a participar dos programas da Jovem Guarda. Agora que estão comemorando os 30 anos do movimento, isto te diz alguma coisa?
- Antes do Ronnie Von, a gente tentou a Jovem Guarda... mas tinha uma formação igual, que era Erasmo, Wanderléa e Roberto, né? Dois rapazes e uma gracinha, uma ternurinha. Não teve jeito da gente entrar na Jovem Guarda, tanto em função da formação quanto pela insistência de ter amplificadores no palco. Saímos do Rei e fomos para o Pequeno Príncipe. Ronnie Von abriu as portas e a gente foi. Mas foi legal. O Gil foi buscar a gente nestas coisas, nestes programas jovens de paulistas.

- Você gostaria de ter participado do programa "O Fino da Bossa", que rolava na mesma época da Jovem Guarda?
- Eu acho que eu teria feito um papel de Nara Leão, né? Eu adoraria fazer Nara. Não tenho os joelhos nem aquela graça que ela tinha, mas... Eu assistia a todos aqueles programas...

- Você tem vontade de voltar a fazer programa de rádio ou de tevê, como você já fez?
- O "Radioamador" tenho, porque a televisão é sempre complicado, porque você tem sempre que "por um batom". Eu tinha um esquema muito legal de rádio, que era tocar fita demo de garotada de garagem, que não tinha oportunidade ou que haviam sido "barrados no baile" de alguma gravadora. Até hoje eu recebo muita fita demo de garotada. Eu tenho muita vontade... Não deu certo. Ficamos nove meses, né? Aí eu lancei um disco e a gravadora ficou meio assim, "porque não pode", "porque vai ter boicote" ou não sei o quê. Acabei saindo e não consegui mais voltar. Mas eu gostaria muito. Gostei muito de ter feito. Adorei.

- Você gostaria de abrir um selo e de produzir bandas novas?
- Tenho idéia de fazer um selo. Vamos ver como é que fica, porque eu não tenho gravadora. Eu gosto de não ter gravadora. Como disse, eu sou uma pessoa muito solitária.

- Você já tem gravadora para este próximo disco ao vivo?
- Não. Eu não gosto dessa coisa de contrato, dessa coisa de ter que fazer um disco a cada ano. Isso não combina comigo.

- Independente de ter ou não, você gostaria de produzir mais e de fazer lançamentos mais frequentes?
- Sim, eu adoro estúdio. Hum, adoro e tem tanta banda maravilhosa em São Paulo. E não tem jeito, não tem saída. Eles tomam aquela canseira de todos os produtorezinhos de gravadoras. Todas as gravadoras são meio..., né? Ainda existe aquela ilusão de que vai fabricar um ídolo. Quando interferem no trabalho da garotada, ela deixa pra lá e procura outra coisa. Eles batem muito com a cabeça. Eu gostaria muito, tem muita gente boa com 17 ou 18 anos e com um discurso engraçado e um som gostoso. Tem bastante.

- O que você acha da discriminalização da maconha?
- Eu acho bobagem ficar proibindo uma coisa que não é crime. Acho que o proibir é que é uma grande besteira. Sou como a rainha da Holanda, acho que tem que legalizar tudo e aí lidar com a consciência de cada um, com a informação e com o poder de decisão de cada um. Livre arbítrio de Adão e Eva! Não é esta a sina da gente? Lidar com seus desejos e destinos? Vá lá, lida com a coisa. Agora, se proibir, neguinho vai querer saber o quê é que é? É ou não é? Ainda mais esta meninada que está por aí! Eles querem saber tudo! E tem que saber tudo mesmo. Se informarem direito e eles virem o que é que é, não farão uso. Se você vai à Holanda, é legal pra chuchu. Não precisa se preocupar com essa meninada de computador. Deixa que eles vão direitinho. Aqui fica essa coisa criminosa e chata, né?

- Você acha que pode vir a investir mais numa carreira internacional?
- Sabe que eu sempre fui muito preguiçosa? Não é nem preguiçosa, é uma coisa de filho de imigrantes. Eu vivi esse destino dos meus pais, de se deslocarem de seu país para procurar algo melhor e vir parar no Brasil. Eu acho o Brasil maravilhoso, eu sou completamente de quatro pelo Brasil. Eu não tenho vontade de ir lá pra fora. Não me deslumbra. Eu nunca quis. Quando Lança Perfume estava em primeiro lugar em Paris, eu nem fui fazer show lá. Não é um desprezo, mas é uma coisa a ver com aqui. Eu tenho muito a ver com o Brasil. Eu faço coisas para o povo brasileiro. No máximo Argentina, pode ser... Eu não teria problemas de sotaque. Escutar um Julio Iglesias falando em português incomoda. A gente prefere que ele fale em espanhol. Mas... no me encanta, no me deslumbra, no quiero. Quiero me quedar a ca! (risos) Eu gosto demais daqui. Muito, muito. O povo brasileiro - com o perdão da palavra - é do cacete, muito maravilhoso mesmo. Não tenho vontade de sair. Depois, o planetinha é assim, né?


PARTE 2
Canecão, 3 de agosto de 1995




- A EMI está relançando a sua discografia...
- Nossa, eu recebi hoje! Putz, que loucura! Eu falei: "Gente, como eu sou velha!" Que loucura! A Legião Urbana têm quantos? Sete discos? De repente, eu recebi quatorze CDs! Falei: "Pára com isso!" Fora os da Polydor... mas é legal.

- Pois é, estes relançamentos com certeza vão te trazer um novo público, que é a garotada da geração CD...
- Nossa, pode ser tão bom!

- ... e, ao mesmo tempo, revitalizar os que tinham os LPs e que os tinham guardado, já que hoje em dia nem se acha mais agulha pra comprar, né?
- É verdade. Eu também nem os tinha, também, porque eu não tenho disco meu, né? Eu não suporto os meus discos... Não suporto me ouvir ou ver a coisa que eu já fiz. Não suporto, porque depois eu só me critico. Com a lua em virgem, fica aquela coisa: "Eu devia ter feito isso!" ou "Por quê é que eu não fiz aquilo?". Então eu não escuto. Depois que mixa, adios. Agora até que eu vou dar uma escutadinha... porque em CD a gente tem vontade de ver como é que fica, né? Vai ser bom... porque tem tanta garotada que está se chegando no show, já sabendo de tudo... E eles me perguntavam: "Quando é que Fruto Proibido vai sair em CD?"

- Você teve alguma participação neste relançamento ou só foi comunicada? Você fez alguma recomendação especial?
- Só fui comunicada. Nada especial, mas não achava necessário aquele "Rita Hits", por exemplo. Eu o acho tão dispensável.

- Mas, por exemplo, quando a EMI relançou a coleção do Milton Nascimento, o convidou para que ele participasse ativamente, sugerindo faixas bonus etc. Você sugeriu alguma coisa?
- Não, eles fizeram tudo. Eu só estava com medo que eles desmembrassem tudo, né? Que fizessem aqueles hits da vida e desmembrassem tudo. Mas eles foram super-corretos e eu achei que ficou bonitinho e legal, principalmente porque vai atingir essa coisa da meninada. Eu revi um monte de coisas... mas eu só achei que o "Rita Hits" poderia ter ficado de fora. Eu não gosto destas coisas, eu não gosto muito que eles peguem os hits...

- ... e os agrupem, né? Tudo bem, mas se fosse uma coletânea com uma seleção de repertório sua, você não toparia?
- Eu não mexo em nada que eu já fiz. Eu fiz, já foi feito, já foi e acabou. Não vejo, não ouço e nem consigo ouvir. Comecei a ouvir os Mutantes agora. Só um pouquinho... e achei insuportável!

- Engraçado isso, Rita, principalmente agora que todo mundo está reverenciando o grupo!
- Eu acho meio papo furado esse negócio de Kurt Cobain, né? Eu acho. Eu acho meio papo furado dele. Vai ver que até foi por isso que ele se matou! Se ele ouviu mesmo os Mutantes, ele deve ter dado um tiro na cara em seguida.

- Não foi bem assim, a coisa começou bem antes. Na verdade, foi no início do Rock In Rio II, no início de 91...
- É? Você acha?

- Sim, eu testemunhei. Uns caras levaram discos daqui.
- Onde é que eles foram achar discos dos Mutantes?

- Através de artistas e jornalistas. Depois disso, as meninas do L7 também gostaram muito do seu trabalho com o Tutti Frutti.
- É, eu soube que elas gostaram. Eu nem estava aqui na época, mas soube... Eu não sei, eu acho isso tudo muito oba-oba, esse negócio de estar querendo ressucitar os Mutantes. Eu fico meio desconfiada... porque os Mutantes foram sempre tão malditos, que eu acho que, se cair nas graças, vai perder a graça!

- Existia muita abertura mas também existia muita resistência ao trabalho dos Mutantes, na época, né? Festivais, críticas, etc.
- Nossa Senhora, as críticas eram uma loucura! Eles tinham ódio mortal da gente, ainda mais metidos em festival de música brasileira... Era um crime!

- Por quê isso acontecia?
- Puro preconceito, mesmo. Aquela coisa de brasilidade entre aspas, de dizer que guitarra era um sacrilégio... Aí eu falava que aquilo era uma escravidão. Vai ter que ficar preso ao banquinho & violão pra sempre? É isso que é?

- Mas isso já vinha acontecendo com a Jovem Guarda!
- Sim, mas quando os Mutantes tentaram entrar para a Jovem Guarda, primeiro esbarramos naquele esqueminha igual: era Erasmo, Roberto e Wanderléa. Dois meninos e uma menina, né? E Arnaldo, Sérgio e Rita. Aí a gente tentou ir lá, colocando amplificador no palco. "Não, não pode porque é anti-estético!", "Não, não pode ter amplificador no palco" e "Não, porque é proibico". Ué, por quê não pode ter amplificador no palco? "Não pode". Então a gente também não toca! Foi uma coisa meio assim...

- Então houve um pouco de radicalismo da parte de vocês, não?
- Ah, era radical de nossa parte, sim! Ah, não podia ir com certas roupas... Então não podíamos ser os Mutantes, né? Não tinha espaço, apesar do Erasmo ser gente finíssima. Roberto e Wandeca eram umas gracinhas, mas a diretoria geral lá não permitiu. Então a gente atacou pelo Ronnie Von, que puxava um tug of war com o Rei, né? Ele ficou com cara de príncipe! Já pelo fato dele ter cantado Beatles, a gente já gostou um pouquinho mais. (cantando:) "Meu beeeem!", com ele jogando o cabelo assim...

- Mas aí já eram os Mutantes ou ainda era O'Seis?
- O'Seis fez um compacto pela Continental: o Suicida. Esta fase foi ótima. A música era boa. Eu tentei refazê-la no Glória Frankstein, que foi uma música que eu gravei. Eu chamei os autores da música, pois queria fazer uma adaptação... Mas essa coisa de Mutantes só foi boa enquanto tivemos Caetano e Gil, enquanto eles estavam aqui no Brasil, quando eles pegavam a gente e abriam tudo. A gente fazia aquele exchange bacana, né?

- Sem eles vocês ficaram meio órfãos?
- Ficamos órfãos e, ao invés de continuarmos assim com uma certa segurança, partimos para a música experimental: Emerson, Lake & Palmer e Yes, coisas que eu gostava e tudo, mas que não precisávamos copiar. Eu não entendi muito bem porque os meninos - os irmãos Lindinha e Dircinha Batista, como eu os chamo - ficaram tão deslumbrados com o Yes. Tudo bem, yes para o Yes... pero nós também temos banana! Os Mutantes tinham toda aquela coisa. Vai jogar fora? "É, vai jogar fora!" Mas não vai ter mais palhaçada? "Não, não vai ter mais palhaçada! Agora é sério!" Eu falei: "Porra, fudeu! Acabou!" Aí eles falaram assim: "E não tem mais lugar pra você, porque você não tem técnica!" Mas eu falei: "É, mas eu tenho intuição!" "Não, não pode!" Eu era equipadésima, ia fazer aquelas sacanagens que se faz, levando um pianinho de criança e um mellotron. Eu era super-equipada, eu fui a primeira a ter mini-Moog aqui no Brasil. E, de repente, eles vieram com uma coisa não tanto machisma, mas musical mesmo. Foram divergências musicais mesmo!

- Esta sua saída dos Mutantes contribuiu para a sua saída da gravadora, poucos anos depois?
- Não, ao contrário. A PolyGram (NR: na época CBD) estava louca pra que eu ficasse sozinha...

- ... pra te fazer estrela?
- Pra me fazer estrela e me ter como lead e tudo. Mas eu nunca tive esta atitude de ser aquilo... Eu falei: "Pô, eu não tenho a voz de uma Gal ou de uma Elis; não é a minha!" Sempre, desde pequena, eu quis fazer parte de um grupo, né? Aí a PolyGram, na figura de André Midani, resolveu que eu poderia fazê-lo... Eu saí e entrei nos Mutantes várias vezes. A verdade é essa. A gente brigava muito.

- O relacionamento com eles era muito traumático?
- Depois que Caetano e Gil foram embora é que ficou doentia a coisa... porque começou a fechar um pouco, né? A coisa ficou um pouco séria demais pro meu gosto e eu comecei a fazer "bicos". Eu fazia Rhodia, dava uma de maneca e desfilava... Fiz o "Build Up" e o "New Look", que foi um show bem de maneca mesmo. Criou-se muita discussão neste sentido... porque eu queria os Mutantes, eu gostava deles, mas eu os queria naquele esquema gostoso, continuando a coisa da gente, né? Fazendo solo com tampinha de garrafa, saca? Sabe: misturar, esculhambando com os clássicos da MPB; enfim, ser maldito! Mas eles queriam ser eruditos. Era uma coisa. Eles eram muito bons, principalmente o Sérgio. É uma loucura o que ele tocava e o que ele ainda toca. Eu entendo... mas realmente não deu!

- E como é que foi "Atrás do Porto Tem Uma Cidade"?
- Depois que seu saí - ou melhor, depois que eu fui saída, né? - eu fiz uma dupla com a Lucinha - As Cilibrinas, né?...

- Pois é, teve algum registro fonográfico?
- No "Phono 73" teve uma pequena tentativa, totalmente mal sucedida das Cilibrinas abrirem o show dos Mutantes... Olha que idéia infeliz! Que coisa infeliz! Não tinha ninguém pra chegar e falar: "Filha, saiu dos Mutantes? Passa pra outra, né?" (risos) Ninguém pra falar isso?... Então eu fiz a abertura dos Mutantes com a Lúcia Turnbull. As duas, tadinhas, de violãozinho. O quê é que aconteceu? Uma vaia homérica! Jogaram coisas em cima da gente! A gente saiu totalmente tadinhas do palco. Aí fizemos o Tutti Frutti. A Lúcia falou: "Conheço uns caras legais". O Carlini? Ele não é aquele louco, maluco, vizinho de sei lá quem? "É ele mesmo, ele tem um grupo chamado Lisergia". Aí eu falei: "Ah, que ótimo!" Era Lee Marcucci, Luis Sérgio, Emílio, Rufino, eu e a Lúcia. Mas aí o Rufino logo saiu, pois ele não era uma pessoa muito legal. Ele saiu e ficamos só nós. Aí teve essa proposta da PolyGram (NR: antiga CBD, através do selo Philips) da gente fazer um disco, mas sempre com a vontade de que eu fosse "a cantora". Foi duro... até que a gente gravou o "Atrás do Porto...". A gente ficou um mês hospedado no Hotel Santa Teresa, tomando ácido todos os dias. Foi uma loucura. A gente fez a capa do disco, com todo mundo se metendo na capa e nos arranjos. Fizemos o disco e, um belo dia, eu e Lúcia estávamos passeando num super-mercado em São Paulo, quando, de repente, escutamos o disco. "Gente, esse aqui não é o Menino Bonito?" "É, mas tá diferente, alguém gravou!" Haviam tirado o violão da Lúcia, tirado a voz dela e colocado uma orquestra! Ah, eu briguei feio com o André Midani e saí, falando: "Assim não dá!"

- Então você não gosta daquela versão de Menino Bonito?
- Não!

- Na verdade, você só toca músicas de seu repertório a partir dos discos da Som Livre, né? José fez um grande sucesso mas você não toca músicas desta fase inicial de sua carreira!
- Eu até tocava Menino Bonito no "Bossa'n Roll", quando resolvi engolir um pouquinho...

- Mas "A Marca da Zorra" é um show antológico ou não?
- Acabou sendo, viu? Não foi nem intencional. Mas, na hora de escolher o repertório, é dose! Um fala "põe esta", o outro fala "aquela", "esta eu não gosto!" ou "esta eu não suporto!" Eu acho que a gente escolheu legal. Foi um apanhado geral. As pessoas implicam: "Por quê não toca Baila Comigo e Lança Perfume?" Mas é que ele tem uma coisa mais de rock mesmo, né?

- Mas ele está bem redondo!
- Eu acho que sim. Tá ficando. A gente está com muita música nova e que não sabe aonde encaixar. Quero encaixar naquele meiinho, onde a gente fica meio solto... Porque é gostoso: "É uma música nova! Vê o que vocês acham!" Eu adoro. Se a pessoa bocejar, eu não gravo.

- Você falou no problema do Menino Bonito, que fez você sair da CBD. Veio imediatamente a proposta da Som Livre?
- Automaticamente. João Araújo já tinha uma certa jogação de tranças. Ele estava começando a Som Livre. Ele me chamou e falou: "Olha, aqui chama-se Som Livre e não é à tôa!" Eu falei: "Ninguém vai me mandar?" Não! "Ninguém vai me obrigar a nada?" Não! "Jura?" Juro! "Então tá ótimo! É tudo o que eu quero!" Aí foi ótimo... mas eu perdi Lúcia Turnbull!

- Ela quis sair?
- Ela saiu... Quer dizer, perdi em termos, né? Porque a gente toca junto até hoje. Ela foi morar na Alemanha por um tempão, teve filhos etc. Quando ela chegou, a gente tentou fazer algumas coisas, logo depois do "Bossa'n Roll". Fizemos acho que uns quatro ou cinco shows, lá em São Paulo mesmo, mas não pegou... Não foi nem por causa dela; foi por causa do guitarrista, que também não era legal... E a banda não estava gostosa, era uma banda meio petulantezinha. Eu não sou de ditar nem de cagar regras. Se eu convido uma pessoa para tocar, ela precisa saber como é que eu sou. E, como eu não sou de ordenar com o chicotinho na mão, às vezes as pessoas tomam uma liberdade que eu também não gosto. Então não deu certo. Eu também tentei fazer com um outro, que também deu pior ainda. Não deu certo. Esta banda aqui agora é the best! É a banda mais afiada que eu tive. Gente respeitosa - bacana, viu. Muito bom, muito bom, estou adorando.

- Você está considerando este show como um marco na sua carreira? Daqui pra frente muita coisa poderá acontecer, em função de você ter conseguido montar uma banda tão perfeita?
- Ah, eu acho que sim. É um belo ponto de partida. Gostoso.

- Você acha que, se existisse single no Brasil, A Marca da Zorra já poderia estar estourando na rádio e abrindo caminho para o seu álbum ao vivo?
- Eu acho, eu acho. Eu nunca entendi a filosofia das gravadoras brasileiras. Eles têm mania de construir ídolos. Não existe isso, gente; nunca existiu. Você não pode fazer uma coisa dessas. Estamos cansados de ver. Eu recebo muitas fitas demo, né? Coisas da garotada, da garotadinha mesmo! "Mas, pô, tenta lá naquela!" "Ah, nós tentamos e o produtor - descarado mesmo, né? - chegou e falou que a gente tinha que colocar uma música dele". Não se sabe se é do neto ou da tia do cara, mas ele tem que mandar um pouquinho. Tem que ter o eguinho dele lá. Ou faz cover, aquela coisa preguiçosa do cover, cover, cover, cover! Quando a criançada não topa aquelas propostas indecorosas e ridículas, eles ficam dizendo: "Ah, não tem gente boa por aí!" Nossa Senhora, o que tem de garotada boa por aí!



- Não valeria a pena baixar a cabeça no começo e depois ir conquistando o próprio espaço?
- Aí eles deixam você na geladeira. São cinco anos de contrato: não fazem nada e deixam a criançada na geladeira. (risos) É verdade, tá cheio de gente na geladeira. Lá em São Paulo tá cheio de grupo assim.

- Essa idéia de você montar um selo é concreta?
- Ah, eu queria... queria muito. Mas sabe o quê é que é? Eu queria montar um selo. Pra você ter um selo, você precisa contar com uma gravadora pra distribuir e fazer toda a infra, né? Eu não quero ter contrato com gravadora!

- Mas a experiência do Ivan Lins e dos Titãs não te incentivam?
- Pois é, né? Às vezes me encourajam, às vezes não. Eu não tenho nenhum respaldo de gravadora há tanto tempo. Eu vou pro exterior e não tenho nada. Zero. Nada, não tenho nem uma camisetinha. Não tenho nada. As coisas que eu faço, eu sempre ofereço ao João Araújo: "Joãozinho, você quer?" "Quero!"

- Você fala isso com muita satisfação, não?
- Muita satisfação. Mas, agora, e o selo? Eu queria o selo... porque tem tanta gente que eu quero produzir, que eu queria botar no estúdio... Ivan e Titãs servem de exemplo mas eu sou tão sozinha. Eu moro em São Paulo e é mais duro ainda.

- Por quê é tão duro? Você não gosta tanto de morar lá?
- Gosto... mas é solitário pra chuchu. Eu gosto de ser solitária. Eu não gosto muito de artista, mas tem muito artista que precisava ser mais ouvido, que eu tenho muita vontade de colaborar com isso. Quando eu tinha o programa de rádio, eu fazia isso e já me satisfazia; só de colocar no ar dizendo: "Olha aqui um grupo legal, escuta aí e pá!" Podia ser aquele som sujo de garagem, mas eu podia ver que tinha um saborzinho. Eu queria isso, nada mais do que um radioamador ali a mão. Vamos ver. Pode ser. Não sei.

- Você já teve alguma saída traumática de gravadora, depois de Menino Bonito?
- Eu nunca briguei, não. Quando saí da Som Livre, fui na paz. João Araújo é finíssimo, gente fina pra chuchu. Fui pra EMI numa boa, fiquei lá com o Beto Boaventura. Na EMI, rolou esta coisa de contrato que eu não quero mais ter. "E o disco do ano?" Não tenho nada pra dizer, não quero fazer, quero que se dane, não quero. Quero ficar dois anos sem falar, quero fazer um retiro, quero estudar na Tailândia. "Não pode", sabe? Ah, eu não sei... Eu acho que eu já tenho muita idade! (risos)

- Quando é que, pela primeira vez na vida, você teve um insight de que iria ganhar a vida fazendo música?
- Eu acho que até hoje eu ainda não tive isso muito bem resolvido na minha cabeça!... Eu acho que foi aos 15 anos que eu desconfiei que a minha era essa! Eu acho que foi quando eu ouvi Elvis Presley, mesmo. Ele e os grupos. Eu existo antes dos Beatles. Eu me lembro que eu era muito fã dos Ventures, daquele guitarrista que tinha uma Gretsch: o Duane Eddy. Puxa, como eu gostava! Eu queria ser instrumentista, né? Mas, na verdade, eu não sabia se, entre palhaço e músico, qual dos dois eu queria ser! Algo por ali: atriz, palhaço, figurino, música... algo por ali. Mas eu acho que faço muito bem o meu papel de cantora; pelo menos o faço há muito tempo! (risos) Eu acho que ainda vou estudar Veterinária, retomando aonde eu estava. Ainda tem um monte de coisa que eu quero fazer. Eu acho que eu vou viver uns 120 anos e que ainda estou na puberdade.

- A música De Pés No Chão, que você gravou em "Atrás do Porto", teria sido uma resposta aos comentários acerca da sua sexualidade?
- Como é que era? (cantando junto:) "Sim eu sou um deles/ E gosto gosto muito de sê-lo/ Porque faço coleção de lacinhos cor-de-rosa/ E também de sapatão" (risos) Foi uma gaiatice, de brincar com a coisa, tipo: "E se eu fôr?"

- Você se considera uma pessoa conservadora em sua intimidade?
- Eu sou conservadora em minhas manias. Eu tenho mania de roer dedo e de pegar bicho nas ruas...

- ... e quanto à educação dos seus filhos?
- Naaaão! Eu posso não ser liberal, mas tento fazer a mãe não-moderninha. Este tipo de mãe deve ser um saco. É bom pro filho subir um degrauzinho a mais, né? Eu dou essa liberdade de ser ultrapassada a qualquer momento que eles quiserem. Eu não sou nem um pouco rígida. Às vezes eu queria sequestrá-los da escola, para colocá-los num barco e sair por aí. Eu penso que essa educação da criança ir pra escola e ficar de nhém-nhém-nhém é meio duvidosa. Não acho que seja muito bem por aí, não. Falta muita coisa. Agora, com o computador, a coisa vai mudar radicalmente, né? Você vai receber em casa, vai escolher as matérias em casa e vai ter um interesse natural. Porque escola é um pé, né? É uma coisa chata. Ah não, aquela coisa da escola "ser uma coisa para a vida". O quê é que eu fiz da matemática que eu aprendi? Ah, tudo bem, mas tem umas coisas falhas pra chuchu! Então eu não posso ser rígida. Eu não concordo com essa educação de escola, com esse nhém-nhém-nhém de lição de casa, com essa coisa meio desinteressante pra chuchu. Principalmente com essa escola na qual os meus filhos estão. Nada contra, mas também...

- Você odeia que invadam a sua privacidade?
- Eu sou muito solitária e gosto de ficar sozinha. Eu não gosto de ninguém em casa e não gosto de ir na casa de ninguém. Eu gosto assim. Não sei se é conservadorismo, mas isso aí é mais uma vontade de preservar a solidão, mesmo. Ainda mais agora, que eu estou adorando ficar só na minha companhia. Eu nunca gostei tanto de ficar na minha companhia quanto agora.

- Você está morando sozinha?
- Com o mais velho, o Beto.

- Você pensa em produzir a banda dele, a Larica?
- Puxa, era uma que eu pensava em produzir. É tão bom. A banda reggae dele também é boa. Ele tem três bandas: uma de blues, uma de reggae e outra de pauleira. Ele gosta tanto de Chuck Berry... mas eu não forcei nada, ele foi fuçando sozinho... Ele é superfã do Roberto, fica olhando e já pegou algumas coisas.

- Você já pensou em escrever uma autobiografia ou em deixar alguém fazer isso por você?
- Ih, tem tantas feitas... que eu não sei. Biografia é meio aquela coisa que o Tim Maia falou: "Parece que você já morreu". Eu não tenho boa memória pra fazer biografia, viu? Não tenho mesmo. Eu misturo fantasia com a fase totalmente nebulosa, que rolou até uma semana atrás. As pessoas dizem que eu só lembro o que eu quero, mas pra escrever minha biografia eu seria péssima. Nas biografias que eu vejo sempre falta alguma coisa. Eu adoro ler biografia das outras pessoas! É o que eu mais gosto de ler!

- Mas não é o caso de fazer a sua, é?
- Eu acho que não. Eu escrevo já há um tempão mas acho que fica mais chic depois que você morre!

- Com este maior espaço para o rock nas rádios e com o relançamento da sua discografia, você não acha que as pessoas esperarão que você desenvolva uma carreira mais ativa em termos de lançamentos?
- Eu não sei. Não tenho a mínima idéia. Eu não sei se a música estaria tocando. Eu não entro em nenhum esquema de jabá, entendeu? Estou completamente fora. Eu não pago pneu do carro pra neguinho, eu não pago passagem pra gente vir assistir ao show. Como eu não estou nesse esquema de gravadora, não entro em esquema de divulgação nenhum. Às vezes eu passo anos sem dar entrevistas. Se eu não tenho nada pra dizer, eu não vou dizer e pronto. Por exemplo, o último disco que eu fiz, o "Todas As Mulheres". Eu fiz, não fiz show e não quis dar satisfações a ninguém. "Ah, ficou doente" ou "Ah, tentou suicídio". Sempre que você tira o time de campo, as pessoas falam sobre o que você está fazendo. Eles resolvem a sua vida, sem você dizer nada. Então eu não sei. O que me inspira mesmo é o mundo espiritual. É o mundo espiritual que me inspira a viver. Se eu estou viva, estou fazendo música. Estando viva, farei música.

- Você falou que não ouve seus discos. Mas você tem noção do que mais gosta e do que menos gosta?
- Tenho. Eu não gosto muito do "Entradas & Bandeiras", porque pra mim está muito associado à época, né? Naquela época eu fui presa grávida. Foi horrível, eu era completamente inocente e fiquei ausente da mixagem e do acabamento final do disco. Foi aquela coisa: neguinho aproveita pra colocar-se adiante. Eu estava completamente triste, fodida da vida e sem grana. Eu não gosto deste disco. Tenho ódio dele.

- Tanto que você nem deu um sorriso na capa. E quanto ao que você mais gosta?
- O que mais gosto?...

- Será o próximo?
- É sempre aquele que eu ainda não fiz. Quer ver? Eu gosto do "Fruto Proibido"...

- Fazendo este show, que está sendo gravado, você já se encara como fazendo um próximo disco, ainda que ao vivo?
- Não, o disco ao vivo é apenas um registro deste show.

- Sim, mas de repente A Marca da Zorra poderá vir a tocar em rádio.
- Não sei. Se tocar é lucro. Eu não espero nada. Eu não espero nada de ninguém, nem um dedinho...

- Mas você tem um público. Você não acha que as pessoas estarão a fim de comprar o disco pra poder ouvir A Marca da Zorra?
- Eu não sei, eu não sei. Tomora, tomara. Eu não tenho idéia do que o público pensa de mim e do que as pessoas pensam de mim.

- E isso não te preocupa, no bom sentido?
- Eles sabem que eu faço o que tenho de fazer, na hora que me der na telha. Eu sou muito honesta...

- De uma forma ou de outra, você acha que podemos esperar este novo disco ainda para este ano?
- Ah, acho que sim. Pro fim de ano é legal.

- Já estão te paquerando para alguma gravadora?
- Ih, três! Mas é aquele esquema, né? Querem fazer contratos grandes, querem investir, querem fazer não sei o quê... e eu vou viajar pro exterior e não sei se vai ser legal ter um apoio. Da última vez que eu fui pra Montreux, eu era a prima pobre. Gente, a Simone tinha tudo e eu entrei assim, com o rabinho entre as pernas: "Hi, my name is Rita Lee!" Tudo bem, também é gostoso, porque você fica imaginando que está começando de novo e que ninguém te conhece e que você pode até aproveitar e fazer uma outra coisa. Não me preocupa tanto assim... mas um apoio é sempre bom. Encher uma loja de capas de disco até que é legal...

- Você disse que não tem interesse algum em cantar em espanhol. E quanto àquele LP "Baila Conmigo", feito para o mercado hispânico?
- Entrou uma pressão da EMI e a gente acabou fazendo esse disco em espanhol. As versões horrorosas me violentaram muito. Cantar foi tranquilo, mas não com aquela letra que eu não concordava e que não articulava legal. Tirou toda a sacanagem, todo o duplo sentido, toda a piada e toda a malícia. "Ah não, o público espanhol não pode". Ai meu Deus, vou voltar tudo de novo? Um passinho à frente e três pra trás? Já passei por tudo isso na ditadura. Pelo amor de Deus! Não gostei, não achei legal, não trapalhei, cuspi em cima e aquela coisa. Quando não gosto, não tem jeito. Prefiro fazer em inglês, que é o que eu quero!

- Quer mesmo? Lá pra fora?
- Eu quero. Para o mundo. Eu acho que o esperanto que deu certo é o inglês, né?

- Os Rolling Stones te deram um toque?
- Eles deram: "You work so hard for how many years, why don't you do it in English?" Because I'm lazy, boys!

- Seria para os Estados Unidos ou para a Inglaterra?
- Não sei, não tenho idéia. Eu sou completamente desinformada desse assunto. Eu só crio.

- Eles te chamam muito lá de fora?
- Chamam. A França é que é uma loucura. Nossa, gente, como eles gostam! Eles são tão tradicionais, que um sucesso que você fez há quinze anos ainda conta com a fidelidade deles. Mas eu tenho a minha vida e um monte de coisa que eu faço, sabe? O arrumar uma gaveta de repente pode ser muito mais audacioso do que fazer uma música! Tá, eu também faço música, mas a minha vida não é só música... mesmo!

- Você tem vontade de fazer novela de novo? Cinema?
- É, mas isso tudo é brincadeirinha. Não é nada. Eu gosto, eu adoro fazer pontinhas e bicos... principalmente em cinema, né? Como eu gosto de cinema! Se me convidarem, eu vou...

- E política? Te interessa?
- Interessa!

- Seriamente?
- Seriamente e ativamente. Oh yeah, tenho muita vontade. Nossa, quanta coisa pra fazer!

- Ainda poderemos ter surpresas?
- Pô, dos cinquentinha em diante, segundo os oráculos, são bem pra isso.

- Mas você não trocaria a música pela política, né?
- Não! Eu não vou deixar de fazer música, né?

- Mas, mal ou bem, enquanto foi político, o Gil ficou um pouco distante. O quê ele representa pra você?
- Se eu tivesse que ter um guru, seria ele. Se teve um guru que me inspirou, foi ele. É uma pessoa maravilhosa, carinhosa e inteligente. É uma delícia só ouvir o Gil falar. Eu o adoro.

- Destes conjuntos da geração oitenta, com qual você gravaria?
- Com The Police! (risos)

- Ótimo... mas e em termos de Brasil?
- No Brasil? Com Os Paralamas... (risos) Não fazendo uma analogia... mas já fazendo! (risos) Ah, tem tantos bons.

- Você disse que não ouve os seus discos. Você ouve os dos outros?
- Ouço. Eu não compro mas ganho. Todas as gravadoras me mandam. Elas puxam muito mais o meu saco do que eu o delas. Depois que eu tive o programa de rádio, então, ficou mais evidente ainda essa coisa. Eu escuto. Não que eu fique pondo, naquela escutação dinâmica, mas eu escuto. Dos oitenta eu pego os Paralamas e os Titãs, assim, de prediletos. De lá, eu fico com o Police mesmo.

- E o David Bowie? Ele te influenciou muito, né?
- Bastante, muito, muito. Eu o adoro. Biquei muito o David Bowie - corte de cabelo, roupa e postura. Eu ia muito assistir show dele lá em Londres, voltava e fazia umas coisinhas. Muito bom. Bowie é uma delícia. Fui aqui e gostei muito do "Sound & Vision", apesar das pessoas terem torcido o nariz. Se ele tivesse entrado no palco e não feito nada, eu já estaria aplaudindo de pé! Ele não precisa fazer nada! Eu gosto muito dele! Agora ele está meio chatinho. Eu também não sou saudosista. Eu também não quero nada de volta. Eu acho ótimo que o John Lennon tenha morrido. Eu acho bom os Beatles nunca mais voltarem. Eu acho ótimo essas coisas, eu não quero nada de volta. Eu gosto mais agora. Que passe tudo rápido, que não tenha parada de sucesssos que dure um ano. Gente, no meu tempo uma música durava um ano! Você não aguentava mais! Agora é ótimo! Cinco minutos de eterno! É assim que eu acho que tem que ser.

- Você já disse ter tomado 2500 ácidos. Você nunca teve uma badtrip ou um flash back?
- Nunca, sempre fiquei joinha. Não tomaria de novo, porque já vi o filme 2500 vezes. Foi uma droga que não é pra todo mundo; que não é pra toda cabeça mesmo; e é pesada. Agora não tem mais motivo pra tomar. Não tem sentido tomar droga hoje. Meus filhos não tomam. Eu concordo que seja profundamente careta. Eu sou a favor da discriminalização da maconha. Aliás, eu sou a favor da discriminalização de tudo. Eu acho que é proibido proibir. Neguinho tem que se informar e agora você tem computador. Agora não tem erro, você tem informação aonde você quiser. Ah é? Tem que usar camisinha? Usa a camisinha e acabou! Se informe e veja como está errada a coisa. Corra atrás de sua informação e do seu direito de escolha. Não estou incitando as pessoas ao uso de nada, mas ao seu direito de escolha.

- Mas a questão é que a informação existe em abundância mas a educação está morta. De que adianta ter tanta informação se a inteligência muitas vezes poderá não alcançá-la?
- Será? Com essa meninada?

- Você acha que as pessoas estão indo mais pelo instinto e pela intuição do que pela educação?
- Eu acho. Ainda assim. Eu sou igual à rainha da Holanda. É proibido proibir. Você que faça a sua escolha.

- Como é que você se define?
- (cantando:) Uma pessoa comum... Xabe que eu não xei? Gente, como é que eu vou saber? (risos) Eu mudo de opinião todos os dias!

- Você gosta disso?
- Gosto, eu sou consciente da minha incoerência. Eu acho que sou uma incoerente bacana. Tenho vontade de salvar o mundo... e só! (risos)

- É isso aí! Agora só falta um autógrafo aqui!
- Tinha que mudar o esquema de capa dos CDs, né? Tinha que ter uma revolução pra mudar!

- Você não viu o "Pulse", do Pink Floyd? Imagina só quando sair a "Anthology" dos Beatles no final do ano!
- Que maravilha, hein? Você já pensou? Puxa, eu estava atrás do lançamento deles na BBC...

- Como assim? O lançamento oficial? O duplo da EMI? Tem em qualquer loja!
- Eu não acho!

- O quê é isso, Rita? Quer que eu vá buscar um pra você ali no Rio Sul?
- Quero! (risos) Juro pra você. Eu não sei se coincide de meu filho procurar e não achar. Eu não consigo achar...

- A questão é que eles não autorizaram a prensagem nos países onde a EMI não tivesse fábrica própria! Veio tudo importado...
- Como isso é chato, né? Puta, eles sempre têm um probleminha, um nhém-nhém-nhém etc. Isso é coisa da gente até hoje não ter número em disco! (risos) Os discos não são numerados!