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Lançamentos

O Bom Retorno de
Erasmo Carlos



Ricardo Schott analisa "Santa Música", o primeiro CD totalmente autoral de Erasmo Carlos no século XXI.

Ricardo Schott

"Santa Música" é o (já perdi a conta)º disco de Erasmo Carlos, surgido numa época de redescoberta do cantor, que vem sendo chamado de "injustiçado" em várias resenhas e textos há uns boas vinte anos - graças à superexposição do trabalho de seu parceiro Roberto Carlos e ao abafamento de vários discos lançado pelo cantor de A Pescaria. Lugar-comum brabo falar nisso, mas a verdade é que os últimos anos, se não foram difíceis para Erasmo, foram bastante complicados para seus fãs. Seu período na Polydor, apesar de ter rendido álbuns excelentes e algumas ótimas vendagens ("Mulher", "Erasmo Carlos Convida"), passou anos fora de catálogo e só voltou às lojas no final de 2002 - com a caixa "Mesmo Que Seja Eu" - e, mesmo assim, é difícil achar lojas que vendam os CDs em separado. Após a dispensa da gravadora, Erasmo passou anos pulando de lugar em lugar - SBK, EMI, Sony. Quando tudo parecia certo com a Abril, a gravadora simplesmente desaparece do mercado. E Erasmo não foi parar na BMG, como vários ex-contratados do falecido selo.

Acabou que Erasmo foi para a Indie, gravadora que parece ser a mais acertada para trabalhar sua música e sua experiência no mercado - as boas vendagens de Alcione, Luiz Melodia e Jorge Aragão, pertencentes ao selo do produtor Líber Gadelha, não deixam ninguém mentir. Logo de cara, o cantor lança um disco histórico: além de ser o primeiro disco de Erasmo lançado por um selo 100% nacional, é a primeira vez que o cantor assina sozinho todas as músicas de um disco, sem Roberto Carlos. O controle musical é tão centralizado que Erasmo, além de co-assinar a produção com Marcelo Sussekind, nem mesmo incluiu as tradicionais covers e músicas de outros autores que volta e meia aparecem em seus discos (ele já gravou canções de Marcelo Camelo, Ruy Maurity, Antonio Adolfo, Sergio Sampaio, etc).

Mesmo não alcançando a intensidade de discos antigos como "1990 Projeto Salvaterra!" (1974) e "Banda dos Contentes" (1976) - já que dos anos 80 para cá Erasmo vem se concentrando num viés mais pop - "Santa Música" é excelente. Mostra Erasmo lapidando um estilo consagrado desde a Jovem Guarda, com o acréscimo da produção pop e moderna de Marcelo Sussekind. O métier do Tremendão, mesmo que o cantor tenha se aventurado por paradas mais pesadas durante os anos 70, é o das baladas românticas, idealistas e emocionantes, mas com um cuidado na elaboração da letras difícil de se encontrar por aí - é o caso de, entre outras, Lua no cio, o soul Gosto de Tudo das Mulheres, Santa Música, do belo country-rock Coração do Mundo e de No Olho do Furacão, que abre com uma locução feita pelo radialista Romilson Luís (criador, durante os anos 80, ao lado do também radialista Eládio Sandoval, do saudoso personagem Piu-Piu de Marapendi) e encerra com versos gritados pelo cantor: "porra!/cadê os poucos sonhos que eu plantei?/pensando no depois que eu não vivi/como eu vou gozar se eu morri?". Baladas como Sinto Muito e Cultura Poética mostram um lado romântico e brincalhão que aparece no trabalho de Erasmo desde o começo da carreira - esta última, por sinal, lembra muito Dia de Chuva, lado-B de um single de Erasmo dos anos 70 que foi resgatado na versão CD de "1990 Projeto Salvaterra!".

"Santa Música" só peca por deixar de fora o lado sambista de Erasmo - que ele recentemente revigorou ao assinar uma canção com Max de Castro. A faceta soul aparece em muitas músicas, em especial a bela homenagem ao amigo Tim Maia, Tim ("quem sabe sai até um novo hit/quando a gente se encontrar"). Multifacetado, o cantor honra até o lado de parceiro do Rei, em baladas de motel como Fantasias e Calma Baby. E num meio tão dado a poseurismos quanto o da música brasileira, a humildade de Erasmo - que agradece aos músicos e até aos dicionários e livros no encarte - é comovente. Como tudo que o cantor já fez, este disco é obrigatório e indispensável pra todas as gerações.

Publicado originalmente na edição 101 do "International Magazine" (Abril, 2004).